terça-feira, 22 de abril de 2014

Cuidar do Idoso Doente no Domicílio

EXTRATO NA ÍNTEGRA DE ARTIGO CIENTÍFICO  

CATTANI, R. B.; GIRARDON-PERLINI, N. M. O. - Cuidar do idoso doente no domicílio na voz de cuidadores familiaresRevista Eletrônica de Enfermagem, v. 06, n. 02, 2004. Disponível em www.fen.ufg.br

 "Categoria 1. Ser cuidador familiar: uma opção ou uma obrigação?
Definir quem será o cuidador familiar de um idoso doente no domicílio constitui-se numa situação em que a família, na maioria das vezes, necessita reorganizar-se e negociar possibilidades, que incluem identificar, conforme o parentesco, a disponibilidade de tempo e o desejo pessoal, quem poderá assumir essa tarefa.
A partir das informações obtidas junto aos colaboradores deste estudo percebemos que o grau de parentesco tem influência decisiva na escolha de quem irá cuidar, ou seja, quanto mais próxima for a relação familiar, mais chances tem esta pessoa de vir a ser a responsável pelo cuidado do idoso, conforme descrito na literatura.
Alguns entrevistados referiram que assumiram o cuidado do idoso doente porque entendem ser uma obrigação matrimonial, tanto de esposo como de esposa, pois uma vez casados constitui-se em dever um cuidar do outro até o fim da vida. Atribuem esta responsabilidade ao acordo firmado perante Deus, por ocasião do matrimônio, em que se comprometeram a partilhar alegrias e tristezas, além de estarem juntos na saúde e na doença, conforme pode ser evidenciado nas seguintes manifestações:
“A senhora sabe que antigamente a gente, tendo, casado, fez aquele juramento pra Deus e as coisas assim, nas horas boas e nas horas ruins, a gente tem que estar sempre junto, pra cuidar, eu tenho que cuidar, o que eu vou fazer, abandonar não dá”.” (He-man)
Esta obrigação também é mencionada por aqueles que tem uma vida em comum, que mesmo não tendo formalizado a sua união de acordo com um ritual religioso ou num contrato civil, sentem-se com o mesmo tipo de responsabilidade.
“Penso assim que, que eu tenho que cuidar dele, porque estou junto com ele. É meu companheiro, então tenho que cuidar”. (Shenna)
Em investigação realizada por SILVA (1995) na qual buscou conhecer as relações de gênero e poder entre cuidadoras – mulheres e pacientes acometidos por Acidente Vascular Cerebral (AVC) e que perderam sua independência, constatou que para algumas cuidadoras a “opção” de cuidar é vista como uma obrigação que está embutida no seu papel de esposa, estando relacionado ao projeto de vida do casal, já que o casamento se constitui em um projeto de vida comum que inclui a questão do cuidado pelo outro.
Associado ao fato de cuidar como uma função inerente ao casamento, evidencia-se que também existe um componente afetivo que conduz essa atuação e contribui para que um cônjuge cuide do outro: o sentimento de carinho, de gostar do outro, como pode ser percebido nesta fala:
“Mas porque, é meu esposo, a gente cuida, é uma pessoa que a gente quer bem, a gente cuida nem que não seja esposa, que seja mãe, cuida, Não há como um porque, não há uma obrigação eu acho, e sim gostar da pessoa. Eu acho que, que mais que obrigação é um dever que a gente tem, um cuidar do outro, tem que ser, quando não der mais, terá que se arrumar uma pessoa mais”. (Sherra)
O cuidar se apresenta como uma manifestação de afeto, pois como diria o poeta, “quem ama, cuida”, e a concepção popular de amar remete a essa forma de compromisso com o outro. Na língua portuguesa cuidar denota “aplicar a atenção; o pensamento; ter cuidado com os outros e consigo mesmo; tratar de assistir”, dentre outros sinônimos (FERREIRA, 1999,  p. 589).
Embora a cuidadora refira-se ao afeto como motivação para cuidar, evidencia-se que cuidar de seu esposo também é um dever, mais que uma obrigação, podendo se notar o expressivo traço cultural, no qual sendo esposo, tem que ficar junto e dedicar-se na realização dos cuidados. Assim, podemos depreender que o componente afetivo apresenta-se como um fator importante e influencia na escolha do cuidador, porém este estará acompanhado de valores impostos pela cultura familiar, ou seja, os direitos, deveres e obrigações dos membros da família.
Dever é definido como se ter obrigação ou necessidade de; ser devedor de; aquilo a que se está obrigado por lei, pela moral, pelos costumes, incumbência ou obrigação; sendo que obrigação é definida como dever; imposição; tarefa necessária; compromisso; motivo de reconhecimento; favor; serviço; preceito...(FERREIRA, 1999). Assim, quando o cuidador se refere a seu dever ou a sua obrigação, podemos considerar que este está se referindo a uma obrigação moral determinada, expressa em uma regra de ação, que nesse caso é o cuidar.
Culturalmente, a sociedade espera essa atitude dos casais e, segundo KARSCH (1998), para cuidadoras esposas, o ato de cuidar está embutido no seu papel de mulher casada, a partir do compromisso assumido e selado desde o momento do matrimônio. Este compromisso associa-se a valores como responsabilidade e obrigação e o dever como um sentimento natural e subjetivo. Cuidar do companheiro, enquanto puder, enquanto tiver forças, tem uma representação para os cuidadores, no sentido de ser valorizado e reconhecido pelas outras pessoas, por aquilo que faz. De certo modo, há um heroísmo que os torna respeitados perante a sua comunidade, pois estão cumprindo com suas obrigações.
Nesse sentido, SOMMERHALDER & NERI (2001) em uma investigação com 15 mulheres cuidadoras principais de idosos de alta dependência identificaram que os benefícios relatados por estas estavam relacionados a crescimento pessoal, senso de auto-realização, senso de significado e senso de reciprocidade. No aspecto social os ganhos relacionaram-se à valorização social, à satisfação pelo cumprimento de normas sociais e benefícios às relações familiares.
Também MENDES (1995) reforça a idéia de que os cuidadores entendem a atividade de cuidar como um dever moral decorrente das relações pessoais e familiares inscritas na esfera doméstica, visto que muitos cuidadores não se viam como tais e, a partir do momento que necessitam desempenhar tal papel, o assumem como uma exigência decorrente do viver em família.
O dever, entretanto, refere-se a ações impostas por normas sociais. Estas por sua vez, estão inscritas num conjunto de crenças e valores compartilhados entre membros de uma sociedade, sendo que a família é o lugar da transmissão, introjeção e manutenção dos valores.
Para os casais, principalmente, os idosos, cuidar de seu companheiro(a) é tido como uma etapa normal e esperada no processo de envelhecer o que, como diz MENDES (1995), faz, muitas vezes, com que “o cuidador de um idoso doente e dependente seja outro idoso, que por sua vez também pode ter restrições em sua saúde, porém, encontra-se em melhores condições, o que os possibilita cuidar”.
Quando o cônjuge não pode desempenhar esse papel ou já é falecido, a responsabilidade pelos cuidados passa a ser uma obrigação filial. Os filhos referem que cuidam porque não há outra alternativa, pois “mãe é mãe”. O sentimento para com o idoso é fortuito, cuidam pelo amor que sentem pelo genitor, procurando aceitar seus defeitos, e pelos laços de afeto que os une.
“Olha eu, eu faço, porque isso tem que fazer, ela é minha mãe, tudo, o que eu vou fazer, tem que fazer igual e (...) suportar o que a mãe é”. (Super-homem)
Quando os idosos precisam de ajuda, os filhos adultos costumam assumir o papel de cuidadores, por terem um vínculo afetivo e uma responsabilidade culturalmente definida, conhecida como “obrigação filial” (Bleiszner, apud PAVARINI et al., 2001).
Ser cuidador da própria mãe (ou pai) transcende o ato em si, pois resgata o carinho, o amor, as desavenças do cotidiano e possibilita a retribuição de valores, de cuidados e também, de certa forma, o fato de existirem.
“Eu (filha) tenho amor por ela, à gente se não fosse ela, a gente não estava no mundo”. (Mulher Maravilha)
“É eu cuido, é minha mãe, tenho carinho por ela. É o que eu posso fazer hoje por ela, é cuidar”. (Super-homem)
Mesmo que esta obrigação seja vista como um fator inerente à condição de filhos, outras figuras se apresentam neste estudo como cuidadoras.  A neta, embora não seja filha, sente-se como tal e, portanto, imbui-se da mesma obrigação filial. Ao residir com a avó, passou a cuidá-la diariamente, sentindo-se responsável por ela. Além disso, separada dos pais, por motivos familiares, relata que com o passar do tempo, do carinho e da atenção da avó a considera como a própria mãe.
“Se eu fosse escolher eu não ia escolher cuidar dela, aí então como surgiu eu cuidar dela, eu aceitei. Daí fosse uma escolha assim, no meu ver, antes eu não ia querer cuidar de uma pessoa idosa doente, mas surgiu a oportunidade, então eu vim cuidar. Também ficou na minha responsabilidade e eu fiquei aqui então. E eu tenho um carinho de mãe com ela, o carinho que a minha mãe não teve por mim ela teve”. (Bat girl)
A responsabilidade que lhe foi imposta frente às circunstâncias familiares sem possibilidade de optar ou não por tal tarefa, fez com que o cotidiano fosse moldando a relação familiar e a realização dos cuidados para com a idosa doente, na esfera familiar. Tornar-se cuidador de um familiar idoso e dependente no domicílio implica em alguns fatores que levam o cuidador a assumir-se como tal, como, por exemplo, ser o familiar mais próximo e do fato dos outros se desvencilharem do cuidado.
Também, como cuidadora identifica-se à nora, que cuida da mãe de seu esposo. Ambos residem no mesmo domicílio e, como nestas ocasiões, em que alguém necessita de cuidados no âmbito familiar, alguém tem de executar, a nora, devido às contingências, assumiu esta tarefa. Considerando que o cuidado é culturalmente desempenhado pela figura feminina, a nora o realiza, pois o filho precisa trabalhar e considera esta uma tarefa a ser desempenhada pela mulher. Refere também que realiza um sistema de rodízio com uma das filhas da idosa, quando uma ou outra precisa viajar, porém ainda fala que os outros filhos se desvencilharam do cuidado, então alguém precisa realizá-los.
“Vou cuidar dela até quando ela precisar de mim, enquanto eu puder, eu cuido. Por isso que enquanto eu puder e tiver saúde eu cuido dela, agora o dia que eu não puder mais, daí as filhas vão ter que assumir ela daí. Por enquanto sou eu que estou assumindo e vou assumir até enquanto der, pra cuidar dela. Gosto dela, quero bem e tudo e os outros não querem, não tem muita vontade de cuidar, então alguém tem que cuidar”. (Mulher Gato)
A colaboradora explicita que enquanto puder desenvolver os cuidados à sogra irá fazê-los, entretanto quando isto não for possível, enfatiza que as filhas é que deverão assumir os cuidados. De certa forma, sua mensagem deixa transparecer que na sua concepção esta função compete às filhas, e não a ela.
O assumir o fato de ser o responsável pelo cuidado não é uma opção, porque em geral, o cuidador não toma a decisão de cuidar, mas esta se define na indisponibilidade de outros possíveis cuidadores para cuidar e, quanto mais o cuidador se envolve, mais os não-cuidadores se desvencilham do cuidado (KARSCH, 1998). Assim percebemos que, uma vez assumindo, o cuidado dificilmente é transferível.
A aceitação de ser cuidador se dá, geralmente, num processo que pode ser explicado como uma forma de “impulso” inicial e ou de slipping into it (escorregar para dentro) conforme Ungerson (1987), Lewis & Meredith (1988) apud MENDES (1995). Ou seja, em princípio, a pessoa, num ato espontâneo e impulsivo assume o cuidar ou, sem perceber, vai assumindo pequenos cuidados e quando percebe já é o cuidador principal, estando completamente comprometido. “É como se de um lado o cuidador escorregasse cada vez mais para dentro da situação e, de outro, os não - cuidadores deslizassem cada vez mais para fora dela” (KARSCH, 1998, p.138).
Categoria 2 : Sendo  cuidador familiar de idoso doente no domicílio
Sentimentos do cuidador: da gratidão a resignação
Desempenhar a tarefa de cuidar do idoso doente e dependente no domicílio deflagra diferentes sentimentos que são vivenciados pelos cuidadores diariamente. Alguns entrevistados relatam que para ser cuidador é imprescindível ter algumas qualidades, que os possibilitem resistir ao cotidiano. Têm que se conformar, “agüentar” cuidar do idoso, pois não há o que fazer. Segundo eles, qualquer atitude, como abandonar a função, brigar com o idoso e os outros familiares, não mudará a situação de ser cuidador, nem a situação do idoso doente, pois este continuará dependente e possivelmente não haja outra pessoa para assumir o cuidado. Assim, não podendo abdicar de tais responsabilidades, acabam sentindo-se impotentes diante da situação e a aceitam como imutável, resignando-se às circunstâncias.
 “Em cuidar eu me sinto bem, fazer o quê, estou junto, tenho que cuidar, tenho que agüentar”. (Sherra)
[...] Ele está doente, tenho que cuidar. Paciência. E se não tem paciência, e daí?”(Sherra)
Outra colaboradora ainda expressa a “raiva” como um sentimento passageiro, mas que se faz presente frente ao cuidar. Muitas vezes torna-se incomodada pela condição de ser cuidadora, de ter que cuidar de alguém doente, entretanto, afirma que o sentimento é temporário, efêmero e que com o passar do tempo, na medida do possível, tudo volta ao “normal”.
“Me dava raiva assim, mas depois que a raiva passava, daí (...)”. (Tempestade)
“Bem, às vezes tem umas resmunguinhas ou outra, mas ela não aceita, às vezes a gente briga por causa de remédio dela e outras coisas, mas é coisinha, assim”. (Bat girl)
O cotidiano do cuidado favorece o surgimento de sentimentos de insatisfação por parte do cuidador e a manifestação do seu descontentamento, entre outros motivos, pode produzir situações de conflito entre ele e o familiar. Refletir sobre estes desencontros desencadeia sentimentos ambíguos para ambos os lados. Ao cuidador o sentimento de compaixão pela dependência do idoso e de desagrado pelas limitações que lhe impõe a condição de cuidador. Ao familiar que está sendo cuidado, a indignação pela dependência e o reconhecimento pela ajuda recebida. Conforme KARSCH (1998), o cuidador não pode ficar pensando nos problemas de relacionamento que poderão surgir no decorrer do cuidado, mas este deve fazer o que tem que ser feito, porque, ao ficar preocupado, não cuida e nem muda a situação.
Considerando as motivações que permeiam a tarefa de cuidar, evidencia-se no cuidado uma forma de agradecimento pelas experiências vividas e pelos cuidados e atenção recebidos no passado. A fala abaixo expressa esse sentimento.
“Então eu acho que chegou a vez de eu retribuir o que ela fez por mim”. (Batman)
“Eu tenho carinho por ela, ela me deu amor. Então agora tenho que cuidar dela, retribuir pra ela”. (Bat girl)
Sentimentos de gratidão são perceptíveis, principalmente, nas relações em que os filhos são cuidadores dos pais. SILVA (1995) em sua pesquisa com cuidadoras de adultos dependentes, analisando a relação mães-filhas, conclui que as filhas ao assumirem os cuidados querem retribuir o que a mãe fez ao longo de suas vidas, especialmente no período em que dependiam dos pais para a sua manutenção. É como se fosse uma espécie de “retribuição” pelos esforços realizados pela mãe ao criá-las.
Sentindo-se inexperiente frente à demanda de cuidados
O exercício de cuidar do idoso doente no domicílio é um aprendizado constante, baseado nas necessidades físicas e biológicas e de acordo com o nível de dependência do idoso. Na maioria das vezes se torna difícil, pela inexperiênciado cuidador, atender as demandas que vão surgindo no transcorrer do processo do cuidar e que necessitam ser aprendidas no enfrentamento do cotidiano.
Atividades que parecem ser simples, para quem já as desenvolve, se tornam árduas para quem nunca precisou enfrentá-las. Assim, o cuidar, que inicialmente abrange atividades simples que se limitam a ajudar na realização de atividades da vida diária, como ajudar no vestir-se ou a servir de apoio para andar na rua, podem, gradativamente, ir se complexificando e exigindo do cuidador conhecimento e habilidades para o exercício do cuidar de acordo com as necessidades físicas do idoso.
“Daí, eu tive que aprender como dar banho nela em cima da cama, eu tive que aprender como trocar de roupa nela, os cuidados que tinha que ter pra não dar aquelas feridas no corpo dela, tudo eu tive que aprender”. (Batman)
“Eu tive que aprender a lidar com o oxigênio, com tudo, praticamente. Desde as pequenas coisas”. (Sherra)
Com isso, o processo de tornar-se cuidador é gerado no enfrentamento diário, segundo Mendes (1995), aprendendo a lidar com as necessidades do idoso doente e muitas vezes, tendo que se adaptar a elas. Também, nesse sentido, GIRARDON-PERLINI (2001, p.118) em um estudo com cuidadores familiares principais de pessoas incapacitadas em decorrência de AVC que cuidam no domicílio, identificou que a maioria dos cuidadores referiu ter “aprendido a cuidar na prática do dia – a – dia, como um autodidata, fazendo, errando e acertando e, em segundo lugar, observando e auxiliando a enfermagem durante a internação, o que reflete também um aprender por si mesmo”.
Os cuidadores descrevem que tiveram que incorporar e desenvolver a cada dia uma nova gama de cuidados, adequando-os às necessidades do idoso que, conforme a dependência vai se apresentando no transcurso da evolução de sua doença, o que torna o cotidiano cansativo e repetitivo. Referem que as noites são mal dormidas, geradas pela preocupação em saber se o idoso está bem, pelo compromisso de administrar medicamentos nos horários corretos e pela repetição de tarefas.
Em casa tenho que cuidar de noite e dia, durmo um sono e me acordo, pra ir lá atender ele, ver se tá coberto, tapado, dar um remédio (...). E é isso (...). Acordar, levantar, tratar de esquentar uma água”. (Shena)
“Eu fui cuidando ele, conforme as necessidades dele e cada vez mais, eu tive que ir fazendo as coisas pra ele, até chegar um ponto assim, que agora eu que dou banho, eu que tenho que ajudar ele a pôr na cadeira, às vezes nem na cadeira não dá pra ir, tem que colocar fralda, então, e (...)”. (Sherra)
Outros colaboradores mencionaram que iniciaram os cuidados conforme as necessidades que o idoso doente apresentava, porém, com o passar do tempo, a dependência do mesmo foi aumentando e a sobrecarga de cuidados também, posto às exigências da evolução da doença. Percebemos que os cuidadores sentem-se sobrecarregados pela demanda de cuidados e, também, por terem que realizar tarefas que até então eram atividades pessoais do idoso, realizadas por eles próprios, como tomar banho e ir ao banheiro e que agora, com o avanço da patologia, tem de ser executada pelo cuidador.
Ser cuidador de um idoso doente e dependente seja ele parcial ou total, no âmbito doméstico, como refere MENDES (1995), é uma atividade absorvente que preenche o dia, e às vezes, à noite da pessoa que assume cuidar deste familiar, pois o cotidiano é o espaço do imediato em que os indivíduos devem operar as atividades através do saber prático.
As mudanças que se instalam na nova dinâmica de vida do cuidador estão, principalmente, relacionadas a re-acomodação das atividades, com reformulação de horários, preparação de uma alimentação, muitas vezes, diferenciada, administração de medicamentos, estabelecimento de uma rotina para exercícios e atividades de conforto que incluem efetuar a higiene pessoal, pentear o cabelo, escovar os dentes, cortar as unhas, fazer a toalete, vestir, despir, locomover de um lugar para outro, subir escadas, sentar, levantar, deitar, entre outras (MENDES, 1995; KARSCH, 1998).
Assim, ao cuidador familiar é apresentada a necessidade de incorporar a nova realidade ao seu cotidiano, muitas vezes árdua e desgastante, conforme o que o idoso doente apresenta, e conviver com ela.
Sentindo cansaço físico e emocional
Associado ao aprendizado constante do cuidar, posto o enfrentamento do cotidiano e a repetição de cuidados para com o idoso doente e dependente no âmbito domiciliar, surge, dentre os entrevistados, manifestações relacionados a cansaço físico e emocional.
Cansaço emocional, conforme FREITAS et al. (2002), se caracteriza pela perda progressiva de energia, fadiga e esgotamento emocional. Reflete a situação em que os trabalhadores não podem dar de si no âmbito afetivo. Trata-se de uma diminuição da energia vital, assim como dos recursos emocionais. É uma experiência de desgaste psicológico ocasionado pela assistência cotidiana prestada a usuários que demandam ajuda. Já o cansaço físico pode ser entendido como fraqueza causada por exercício ou doença e ainda por atividades que exige esforço físico, agregado a repetição das mesmas (FERREIRA, 1999).
O cuidar diariamente de alguém que apresenta dependência pode significar o desenvolvimento de atividades que envolvem esforço físico para a prestação de alguns cuidados e, também, estar atento à execução de determinados procedimentos que exigem concentração e planejamento antecipado do que será feito, afim da obtenção de resultados satisfatórios no cuidado que tem de ser realizado. Com o tempo vão surgindo características estressantes da atividade de cuidar, o desgaste físico e emocional dos cuidadores.
“Que, a cabeça da gente é muita coisa né. É a mesma coisa que a senhora tivesse cansada demais, bem cansada, a senhora não dorme direito e essa canseira na cabeça da gente que vem de certo, essa amoaceira, essa canseira e a gente fica assim’’.( He-man)
Como pode ser observado, as noites tornam-se mal dormidas e o acúmulo de preocupações, que envolvem a prática do cuidar fazem com que o cuidador fique “amoado” e sentindo-se “fraco mentalmente”, referindo-se ao cansaço emocional causado pelo estresse da responsabilidade de cuidar diariamente do idoso doente.
Postos às exigências do cuidar, os colaboradores deste estudo demonstraram que cuidar de um idoso doente no domicílio é uma tarefa cansativa, pois lhes ocupa muito tempo. Além das atividades que envolvem o cuidado ao idoso doente no domicílio, aliam-se a estes os afazeres domésticos que consomem outra parte do tempo, tendo, com isso, que organizar as ações de modo a conseguir dar conta da demanda de todos os trabalhos.
“Canso, mas Deus o livre, estou cansada mesmo. A filha dele diz que  está cansada e vai descansar, mas eu tenho que lavar roupa, limpar a casa, fazer a comida (...)”. (Shena)
As atividades relacionadas ao lar, como aponta KARSCH (1998), estão inscritas nas necessidades de tarefas a serem desenvolvidas pelos cuidadores no dia-a-dia, sendo que isto imputa a eles uma jornada de trabalho que, muitas vezes, estende-se ao longo do dia e para a qual não contam com ajuda de outras pessoas. Conciliar as atividades domésticas com os cuidados pessoais e os cuidados ao idoso dependente exige habilidade na organização do tempo e da execução dos mesmos.
Analisando cuidadoras – mulheres de adultos acometidos por AVC, SILVA (1995) constatou que a maioria das cuidadoras admite que sua vida mudou radicalmente após assumir esse papel, pois além das tarefas caseiras aumentarem, o idoso normalmente precisa ser auxiliado nos cuidados pessoais. O cansaço foi o sentimento mais comum entre as cuidadoras, e nos casos em que o paciente tinha incontinência urinária e/ou de fezes, essa situação era mais aguda, pois, na sua maioria, era somente a cuidadora que lidava com a troca de roupas.
Também se referindo aos afazeres dos cuidadores, FREITAS et al. (2002) menciona que estes percebem o cuidar como um trabalho solitário e gerador de sobrecarga, principalmente de natureza física, que se expressa em cansaço, insônia e problemas de saúde.
Percebe-se que em certas ocasiões os cuidadores se sentem esgotados, sem condições para cuidar, porém como o idoso não pode se autocuidar nem, muitas vezes, colaborar nos cuidados, o cuidador tem de fazer as atividades, superando as próprias dificuldades e limitações. Diante do desgaste pessoal e da dependência do outro, chega a se questionar se o familiar realmente não consegue cooperar nos cuidados, surgindo dai um certo conflito interno e de culpa por estar em dúvida quanto a dependência do outro.  Esta constatação pode ser reforçada com a afirmação de FREITAS et al. (2002) de que cuidar não é uma situação linear em que são vivenciados sempre os mesmos sentimentos e por isso existem conflitos e ambivalências.
A gente diz que também não está, como é que a gente diz, assim, com muita vontade de fazer isso. Isso cansa, fico nervosa e até a gente não devia ficar, porque ele também não tem culpa, mas a gente pensa, será que ele está tanto assim que, não podia se ajudar um pouco”. (Sherra)
Para SILVA (1995) o esgotamento físico e emocional relatado pelas cuidadoras, está associado a múltiplos fatores. Além das tarefas dos cuidados, sofrem pressão cotidiana decorrentes do próprio estado de saúde do doente, que gera a dependência física e emocional; da falta de ajuda de outros familiares; das dificuldades financeiras para a manutenção da própria família; da ausência de suporte formal por parte do Estado, como por exemplo, atendimento domiciliar médico, de enfermagem, de fisioterapia e medicamentos. Prestar cuidados a um idoso muitas vezes leva o cuidador a reestruturar sua vida, alterando costumes, rotinas, hábitos e até mesmo a natureza de sua relação com o idoso (NERI, 1993).
As exigências no cuidar , de acordo com FREITAS et al. (2002), parecem ser mais fortes no início de cada nova atividade, porém o senso de sobrecarga pode se estabilizar ou diminuir ao longo do tempo, em virtude de uma variedade de processos que ocorrem na vida do cuidador, tais como aprender a desempenhar as tarefas, reorganizar-se de acordo com suas disponibilidade e com as demandas ou estabelecer novos níveis de adaptação para comportamentos e estados psicológicos. Além disso, a evolução da doença pode ocasionar mudanças no curso das exigências.
Outro fator a contribuir no desgaste emocional dos cuidadores está relacionado às dificuldades financeiras. Diante da impossibilidade de suprir todas as necessidades que o familiar necessita e que a doença exige, se sentem impotentes e tristes.
“É, nessas condições, e de qualquer maneira, eu só me sinto triste às vezes, quando eu não posso alcançar o que ele precisa, que nem sempre eu posso fazer o que ele precisa, tanto financeiro como ... Mais o financeiro, que é difícil, porque ele, é uma doença que requer muito, só alimentação é muito cara e, às vezes tu tem dinheiro, às vezes não tem”. (Tempestade)
“Quê, cuidar não é nada vizinha, pior são as dificuldades que a gente tem, por exemplo, pra comprar um remédio, as coisas financeiras e tal, paga isso, aquilo e a gente ganha pouco, dinheiro de aposentado já viu, é pouca coisa, duzentos pila, duzentos e poucos pila, então tudo isso vai acumulando, a gente vai indo”. (He-man)
Quando comparam o ato de cuidar com os gastos para atender as necessidades dos idosos, ponderam que cuidar não é tão oneroso, pois o mais difícil é dar conta dos custos que a doença exige para suprir todas as carências do idoso. Como maioria dos participantes do estudo dependem dos valores recebidos como aposentados da previdência social, referem que o valor recebido pelos benefícios, às vezes, a única fonte de manutenção e sobrevivência, é insuficiente para atender as necessidades básicas do idoso doente e dependente.
Assim, diante das limitações financeiras, buscam, primeiramente, suprir as necessidades do idoso, pois os gastos com a doença são ordem prioritária sendo que os gastos domésticos e pessoais podem ser deixados em segundo plano.
Cuidar sentindo a perda de liberdade e sendo solitário
Os cuidadores deste estudo além de mencionar o cansaço físico e emocional como fatores desgastantes desencadeados durante o processo de cuidar referem, também, a necessidade de “abrir mão” de atividades que eram praticadas habitualmente, antes de se tornarem cuidadores familiares. Ser cuidador de um idoso doente na esfera domiciliar é, na maioria das vezes, ter que negligenciar sua própria vida ou parte dela. A prioridade, neste momento, é cuidar de seu familiar doente, realizar o que ele necessita abdicando de suas próprias vontades.
Um dos maiores obstáculos apontados enquanto vivenciam o processo de cuidar é a impossibilidade de sair de casa, passear, pois, de forma geral ficam atrelados à responsabilidade e a preocupação diária com a doença e cuidado do idoso. A pouca realização de atividades de lazer no cotidiano e a limitadas possibilidades de conversar com outras pessoas contribuem para o sentimento de solidão e de perda da liberdade.
“Não tenho liberdade, faz anos que eu já não tenho mais a liberdade pra sair, assim passear, a senhora pensa, bá, capaz, saía ali, já tinha que estar em casa de volta. Gente doente em casa é uma coisa ou outra, chega uma pessoa a gente sempre com aquele cuidado, aquela coisa, aquela aflição parece dentro da gente”. (Heman)
“Minha vida é sofrida, porque a gente fica assim sem poder sair, tem que ficar em casa isolada e se eu saio um pouquinho ela está chamando, ela está procurando, se eu vou sair eu tenho que falar bem com ela, explicar bem pra ela o que eu vou fazer”. (Mulher Maravilha)
Como diz MENDES (1995), existe uma dinâmica no processo de cuidar que é uma relação tensionada onde os sujeitos envolvidos, cuidador e idoso dependente, constroem seus espaços respectivos, dentro dos limites dessa nova relação pessoal. Desse modo, os cuidadores também apontam que a perda da liberdade se desencadeia pelo vínculo e pela dependência que o idoso manifesta, ou seja, quanto mais o doente necessita de cuidados ou se sente sozinho, mais o cuidador tende a ficar “isolado” no domicílio para cuidar deste.
Para cuidadoras de um estudo realizado por SILVA (1995), o sentir-se privado do contato nas relações com amigos e parentes é bastante visível, já que a possibilidade de sair de casa é cada vez mais escassa e as visitas são mais esporádicas. Este afastamento das pessoas faz com que as cuidadoras busquem alternativas para o seu próprio suporte emocional que substituem o diálogo com as pessoas, tais como: chorar, rezar ou isolar-se.
Nesse sentido, MENDES (1995) considera que fatores psicossociais interferem na forma dos sentimentos dos cuidadores serem objetivados no cotidiano do cuidador e do idoso, sendo comum à busca de valores religiosos como suporte para a aceitação deste cotidiano e dos sentimentos que afloram.
Os colaboradores manifestaram, ainda, que as condições do idoso são fatores preponderantes na realização de atividades extra-domiciliares. Muitas vezes, para desenvolverem ações voltadas ao lazer, como sair à noite, ou visitar amigos, há necessidade do idoso estar bem, caso contrário, a atenção precisa estar constantemente voltada a este, e o cuidador tem que readequar seus planos.
“Às vezes eu não realizo tudo que quero realizar. Às vezes quero sair à noite e não dá, porque tenho que pensar nela, então (...). Tudo depende de como ela está no dia, como ela levanta. Se está bem, ela pode ficar um pouco mais sozinha, senão não dá pra deixar. Tudo depende de como ela está”. (Bat girl)
“Então eu digo, às vezes eu tenho vontade de sair, ir numa tia minha, mas não posso, num domingo, ir lá almoçar, mas não posso fazer o que quero, tenho que ficar cuidando da “vó”, ela não pode caminhar muito, então eu fico e é assim”. (Mulher gato)
Cuidar de uma pessoa dependente faz com que o estilo de vida do cuidador seja modificado em função das necessidades do outro. Independente do fato do cuidador ser uma pessoa jovem ou idosa, suas atividades de recreação e convívio social acabam sendo alteradas e dando a este a sensação de não ter autonomia para gerenciar a própria vida e ter de viver em torno do outro. O indivíduo que necessita dos cuidados, por sua vez, “cobra” a presença do cuidador e nem sempre reage favoravelmente às ausências.
Como bem explicita MENDES (1995), “a falta de liberdade e os momentos solitários vivenciados pelos cuidadores fazem com que o cuidador e o idoso se lancem numa relação de busca, querendo (re)montar, (re)fazer, (re)estabilizar uma vida cotidiana nos moldes anteriores, o que já não é mais possível pela demanda dos cuidados e pela dependência do idoso para com o cuidador”. O processo de reconstrução da vida do cuidador é conflitante, exige tempo para desenhar um novo cotidiano, novas articulações, novos personagens, novas identidades que nascem de uma descontinuidade, mas mantém-se articuladas pela história de cada um (MENDES, 1995).
Em meio à solidão de ficar inserida somente no meio domiciliar e não ter liberdade para realizar o que gosta, os participantes deste estudo apontaram que, mesmo com a preocupação de cuidar do idoso doente e isto ser um fator gerador de dificuldades no enfrentamento pessoal, procuram reorganizar suas atividades de rotina e de vida para se sentirem, além de úteis, felizes consigo mesmo.
“E agora eu também então estou indo na ginástica ali, de quarta e sexta, é às duas horas e demora uma hora só. É tão pertinho, só que daí eu tenho que deixar ele fechado, ele fica sozinho, às vezes chega gente, não tem nem quem abra a porta, daí ficam batendo, é meio difícil, mas (...)”. (Sherra)
“Agora eu estou mais assim, porque ele melhorou, assim mais feliz, ele melhorou, posso sair, vou no baile dos velhos, eu já tava com as pernas meio duras de não treinar as pernas, e agora dá pra eu ir, assim, às vezes”. (Shena)
Diante da tentativa de readequação de suas vidas, os cuidadores principais ainda enfrentam dificuldades, pois na ausência de cuidadores secundários, muitas vezes, o idoso  acaba por ficar sozinho no domicílio, enquanto realiza atividades fora de casa, situação esta que gera preocupação ao cuidador.
Podemos deduzir que, com o passar do tempo, o cuidador pode redefinir e redesenhar seu papel em relação às tarefas do cotidiano e do cuidado, que mesmo sendo conturbado, permite a ele vislumbrar opções de lazer e descontração.  Para não adoecer, é importante que o cuidador perceba que está vivo, que não está doente e precisa continuar a sua vida da melhor forma possível.
A necessidade de mostrar ao cuidador a importância do desenvolvimento de atividades físicas e de lazer, de dedicar um tempo a si, para que possa manter sua saúde física e mental, foi apontado por PAVARINI et al. (2001). Esta necessidade está relacionada ao mal - estar e a frustração gerada pelas dificuldades para auto-cuidado, geralmente  por falta de tempo, no caso dos cuidadores que, envolvidos no cuidado, muitas vezes, esquecem da sua própria vida. Por outro lado, os cuidadores referem que a reorganização das atividades, a fim de se distraírem, acontece, mais facilmente, quando o idoso melhora seu estado clínico, de debilidade e dependência.
Em uma reflexão mais abrangente e mais profunda, MENDES (1995), mostrou em sua pesquisa que o dia-a-dia do cuidador é radicalmente modificado pela doença. De acordo com esta pesquisadora, na relação de cuidar e ser cuidado, velhas relações pessoais são redefinidas, novas atividades, tanto de rotina como de vida e relações psico – sociais são introduzidas no seu cotidiano, e de certa forma, a doença põe em suspensão a vida cotidiana da família. Uma nova vida cotidiana se instala aos poucos reitroduzindo algo do velho cotidiano, no novo."

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